Se mantido como está, o texto da PEC 186 estrangula a administração tributária e abre uma espiral que, com o decorrer do tempo, irá minar gradualmente as possibilidades de equilíbrio fiscal, para a União, estados e municípios. Mesmo após sucessivos alertas, o relator manteve a redação que aniquila a permissão constitucional para destinação de recursos para as atividades da administração tributária, o que compromete os fundos específicos para financiamento dos fiscos, apontando, inevitavelmente, para um desmantelamento das estruturas de arrecadação e fiscalização tributária no país.
O dispositivo (artigo 167, inciso IV) que prevê a possibilidade de vinculação de receitas de impostos para realização de atividades da administração tributária – assim como para as ações e serviços públicos de saúde e para manutenção e desenvolvimento do ensino – não está na Constituição por acaso. Ao emparelhar num mesmo inciso esses três núcleos de ação, o texto constitucional os equipara em importância para a vitalidade e funcionalidade do Estado. Com o objetivo de vedar a vinculação para as áreas de saúde e educação, o relator reescreveu o dispositivo, excluindo também a administração tributária. Entretanto, ao restabelecer a permissão para as áreas de saúde e educação, deixou de fora um dos eixos do tripé, justamente aquele que alimenta com recursos os outros dois.
Tal movimento pode inviabilizar o Estado brasileiro, na medida em que qualquer planejamento de ajuste fiscal supõe um equilíbrio entre receitas e despesas. Minar os fundamentos da administração tributária compromete irremediavelmente um dos lados da equação. A chamada “arrecadação espontânea” é nada além de um mito. Pagamento de tributos não é filantropia. As empresas e os cidadãos recolhem seus impostos sobretudo porque sabem que existe uma estrutura de fiscalização incumbida de fazer cumprir as determinações da lei tributária.
Em política econômica, não se pode desprezar o poder da sinalização. É um ingrediente presente nas decisões de todos os agentes econômicos. Ao investir contra a sustentação da administração tributária, a PEC 186 aponta inequivocamente para o enfraquecimento dos mecanismos de fiscalização e arrecadação, sinalizando para a sociedade que o “custo-benefício” de omitir e sonegar impostos está mais vantajoso e indicando uma diminuição no preço de risco de condutas ilícitas. Naturalmente, nesse novo cenário, não há como sustentar os níveis de “arrecadação espontânea”, tornando a situação fiscal do país uma permanente corda bamba.
Vale lembrar que não se trata exclusivamente da questão arrecadatória. A Receita Federal exerce um papel fundamental no combate a ilícitos financeiros, sonegação, lavagem de dinheiro, corrupção, bem como desempenha função crucial no controle aduaneiro de mercadorias nas fronteiras, portos e aeroportos do país, no combate ao contrabando, tráfico de armas e de drogas. O enfraquecimento dessa estrutura trará consequências drásticas em desfavor da sociedade.
Nesses últimos dias, foram muitos os alertas emitidos pelo Sindifisco Nacional acerca de tal direcionamento suicida. Todos os principais veículos de comunicação do Brasil reproduziram o posicionamento e as críticas da entidade. O Jornal Nacional, da Rede Globo, veiculou na sexta (26) trecho de matéria publicada no site do Sindifisco e na terça (2) divulgou comunicado de entidades representativas de Auditores Fiscais de todo o país, iniciativa também conduzida e liderada pelo Sindifisco. Na mesma linha, Folha de São Paulo, Estadão, Veja, IstoÉ, Globo News, Correio Braziliense e diversos veículos regionais de imprensa repercutiram a opinião da entidade. Paralelamente, o trabalho junto aos parlamentares buscava mostrar as fragilidades técnicas e ameaças contidas na redação da PEC.
É imprescindível que a administração tributária de todos os entes da federação, especialmente a Receita Federal, se manifeste veementemente para evitar esse grave retrocesso. É uma batalha em que ninguém pode se omitir. Desde a semana passada, quando o teor do relatório foi publicado, a Direção Nacional tem cobrado diariamente do secretário da Receita Federal uma postura ativa em defesa do órgão, propondo que também busque atores relevantes, como o Comsefaz, que reúne os secretários de Fazenda dos Estados, e trate diretamente com o relator, com o Governo e com os líderes no Senado.
O Sindifisco Nacional tem feito todo o trabalho parlamentar possível. Obteve as emendas 168 e 179, respectivamente, dos senadores Veneziano Vital do Rego (MDB/PB) e Major Olímpio (PSL/SP); conseguiu as 27 assinaturas de senadores apoiando as emendas, e ainda convenceu o líder do Podemos, senador Álvaro Dias (Podemos/PR) a apresentar destaque ao relatório, garantindo que esse item seja debatido em plenário. Agora é fundamental que a administração da Receita Federal se empenhe ao máximo no convencimento dos senadores.
Não se trata simplesmente de preservar mais um setor da máquina estatal, mas de manter o Estado brasileiro de pé, minimamente viável e sustentável, ainda mais num momento histórico tão turbulento como o que estamos atravessando.
Fonte: Jornalismo DEN
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