Na última sexta-feira (4), a imprensa veiculou que o Auditor-Fiscal José Tostes Neto, secretário especial da Receita Federal, confirmou a participação em três reuniões com o senador Flávio Bolsonaro e suas advogadas, ocorridas entre agosto e setembro de 2020, uma das quais na residência oficial do parlamentar. A confirmação, de acordo com o colunista Guilherme Amado, do Portal Metrópoles, se deu em resposta a requerimento de informações protocolado pela deputada Natália Bonavides (PT-RN). Segundo a resposta do secretário à parlamentar, a reunião teria sido motivada por alegações acerca de uma suposta atuação irregular de servidores do órgão em investigações fiscais contra o senador.
Após tomar conhecimento dos fatos e ante os riscos institucionais envolvidos, o Sindifisco Nacional, entidade representativa dos Auditores-Fiscais da Receita Federal, por meio de seu presidente, requereu ao secretário esclarecimentos imediatos.
Informações prestadas pelo secretário da Receita Federal
De acordo com Tostes Neto, todo o esforço desde o início tem sido no sentido de demonstrar a legalidade e regularidade da atuação da Receita Federal e dos Auditores-Fiscais, tanto no caso específico relacionado ao senador, como em todos os outros. Tostes asseverou que, não obstante todas as explicações já prestadas, Flávio Bolsonaro resolveu formalizar a representação/denúncia ante a própria Receita Federal e a Procuradoria-Geral da República.
Segundo ele, a defesa do senador requereu informações a respeito dos acessos a seus dados fiscais, o que lhe foi negado pela administração da Receita, em obediência ao ordenamento jurídico. Na sequência, a defesa teria pleiteado tais informações junto ao Serpro, que igualmente indeferiu o pedido.
Como a denúncia formalizada perante a Receita dizia respeito a desvios cometidos pela corregedoria da instituição, o caso foi enviado à corregedoria do Ministério da Economia. A apuração especial demandada ao Serpro – que, segundo a imprensa, custou quase 500 mil reais aos cofres públicos – decorre desse processo que tramita no Ministério da Economia.
A aludida apuração especial, ainda nas palavras do secretário, não foi solicitada para atender o pedido ou os interesses de quem quer que seja, mas para elucidar os graves fatos narrados na denúncia. Sobre o exorbitante valor despendido, o secretário informou que se trata de empresa pública, com valores estabelecidos em contrato, sem possibilidade de licitação ou contratação de outra empresa.
Nesse ínterim, o PGR remeteu a representação/denúncia ao Tribunal de Contas da União (TCU), que por sua vez abriu inspeção sobre a Receita Federal, com objetivo de apurar as alegações narradas pelo senador.
Questionado pelo Sindifisco acerca dos riscos ao exercício das atividades de fiscalização e aos Auditores-Fiscais, o secretário garantiu que não há motivo para nenhum tipo de receio ou temor. Não existe, segundo ele, rastreamento de investigações como alegado pela imprensa, até porque as ações fiscais são todas formais, registradas nos sistemas próprios e, portanto, conhecidas pela administração.
Tostes assegurou ao Sindifisco que nenhum dado foi ou será fornecido pela Receita Federal a terceiros e que é fundamental que o órgão afaste qualquer tipo de suspeita sobre a legalidade da nossa atuação institucional, daí a importância de a própria instituição o próprio órgão, em razão da denúncia apresentada, ter tomado a iniciativa da apuração.
Opinião da Direção Nacional
A Direção Nacional analisou as informações e justificativas apresentadas pelo secretário, à luz das garantias de que os Auditores-Fiscais necessitam para o pleno exercício de suas atribuições privativas.
O caso guarda semelhança com o tiroteio vivenciado pelo órgão em 2019, sob a gestão do então secretário Marcos Cintra, quando um dossiê de seleção envolvendo pessoas ligadas a um ministro do STF vazou para a imprensa. A Receita Federal foi acusada de predefinir alvos e sofreu uma verdadeira devassa do TCU, que repetiu todos os passos detalhados na Nota Copes 48 para tentar encontrar falhas no processo de seleção. Depois de muitos meses de apuração, o TCU concluiu que os critérios utilizados eram técnicos e objetivos, não havendo nenhuma irregularidade.
Naquela apuração, o TCU requereu informações sobre todos os acessos feitos por Auditores a dados fiscais de pessoas politicamente expostas. A apuração especial foi naquela ocasião também realizada pelo Serpro, a um custo de cerca de 350 mil reais, mas a entrega das informações ao TCU foi impedida por ordem do STF, em razão de um Mandado de Segurança impetrado pelo Sindifisco Nacional.
Esse precedente é importante para, desde já, enfatizar aos Auditores-Fiscais que, caso haja alguma medida de força por parte do TCU nesse mesmo sentido, desencadeada pelas denúncias do senador Flávio Bolsonaro, o Sindifisco Nacional não hesitará em utilizar todos os meios e recursos que tem à disposição para salvaguardar a integridade das prerrogativas do cargo.
Cabe ao Sindifisco zelar pelo exercício pleno das atribuições privativas dos Auditores-Fiscais, livre de interferências políticas ou intimidações, sobretudo em situações em que são confrontadas pessoas poderosas, como foi o caso da Operação Furna da Onça (operação que desencadeou as apurações contra Flávio Bolsonaro, à época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro). É natural do nosso ofício o enfrentamento de interesses políticos e econômicos que estão em desacordo com a legislação tributária e aduaneira, e para tanto é indispensável que os Auditores-Fiscais usufruam das devidas proteções institucionais. Nesse sentido, o secretário foi instado a indeferir peremptoriamente qualquer tipo de pedido de informações por terceiros, inclusive pelo TCU, que possam expor os Auditores-Fiscais.
Vale frisar que a especulação feita por parte da imprensa, de que a apuração especial foi pedida para beneficiar Flávio Bolsonaro, só faria sentido se fosse comprovado o fato por ele alegado: de que alguém acessou seus dados fiscais previamente e enviou informações ao Coaf, na contramão do fluxo normal. Portanto, deixando de lado essas ilações, o que se espera é que a apuração especial faça prova contrária às alegações do senador e demonstre a regularidade dos procedimentos adotados nas apurações fiscais.
Até o momento, não temos informação de nenhum tipo de exposição indevida ou de constrangimento sofrido por qualquer Auditor-Fiscal no exercício das suas atribuições, mas, caso haja qualquer sinal nesse sentido, solicitamos aos filiados o imediato acionamento da Direção Nacional.
Quanto à reunião do secretário da Receita Federal na residência oficial do senador, ainda que o objetivo, nas suas palavras, tenha sido defender a legitimidade da atuação do órgão, entendemos que tal exposição fere a liturgia do cargo, dando azo a questionamentos legítimos da imprensa quanto à necessária impessoalidade que deve nortear a Administração Tributária.
A Direção Nacional protocolou ofício dirigido ao secretário, por meio da Lei de Acesso à Informação, contendo questionamentos complementares, com vistas a aferir o respeito ao princípio da transparência e da impessoalidade, e manterá a classe informada acerca da apuração dos fatos na corregedoria do Ministério da Economia.
O Sindifisco Nacional tem defendido publicamente que a Receita Federal, para o cumprimento dos comandos constitucionais e pela essencialidade da atuação do órgão, possua orçamento condizente com sua importância para o Estado brasileiro. Para nós, é inadmissível a instituição sofrer cortes da ordem de um bilhão de reais (quase 40% do seu orçamento discricionário) e, nesse contexto de penúria, ainda ter que custear uma apuração especial dessa natureza, enquanto outras despesas com o Serpro, relativas a sistemas relevantes para o nosso trabalho, são cortadas por falta de verba.
O incidente serve para, mais uma vez, repisarmos a urgência de medidas de fortalecimento institucional da Receita Federal, com o fito de preservar a segurança funcional dos Auditores-Fiscais e manter a instituição a salvo de ingerências políticas, principalmente a edição de uma lei orgânica que estabeleça garantias e prerrogativas essenciais para a realização dos trabalhos de fiscalização e a definição de mandato para o cargo de secretário da Receita Federal.
Histórico
Desde que o tema surgiu em outubro de 2020, o Sindifisco Nacional se manifestou publicamente, na imprensa escrita e televisiva (ver abaixo), a respeito da narrativa construída pela defesa do senador. A defesa sustenta a tese de que o fluxo de informações teria sido invertido e que ao invés de a Receita Federal receber o relatório do Coaf, o órgão teria feito uma devassa prévia nos dados fiscais do parlamentar e enviado essas informações ao Coaf para que o RIF (Relatório de Inteligência Financeira) fosse produzido. A confusão foi tamanha que a defesa do senador chegou a mencionar o RIF, que é elaborado pelo Coaf, como se fosse Relatório de Investigação Fiscal.
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