Não se trata de algo trivial. A Covid-19 é uma das maiores catástrofes dos tempos modernos e já vai ceifando perto de um milhão de vidas ao redor do mundo. Só no Brasil, foram mais de 120 mil, de todas as regiões, idades, classes sociais, não raro sem comorbidades, o que demonstra a extrema imprevisibilidade da doença. Muitos dos que a ela sobrevivem ficam com sequelas graves. Sem vacina disponível e sem remédio de eficácia comprovada, a fórmula para prevenir o contágio continua sendo o distanciamento social.
No início da pandemia, em observância às evidências empíricas e às recomendações das autoridades sanitárias, a Receita Federal colocou os seus Auditores-Fiscais e servidores em regime de trabalho remoto. Agora, de forma precipitada, tenta impor o caminho inverso. Na segunda-feira (24), o Imperial College London, instituição que se tornou referência no monitoramento da pandemia no mundo, detectou reaceleração da transmissão do vírus no Brasil; quatro dias depois, a administração da Receita Federal divulgou nota com orientações para retorno imediato ao trabalho presencial.
Causa espanto que um assunto de tamanha gravidade, com todos os riscos envolvidos, seja tratado abruptamente, de forma fria e burocrática, por um notes, como se estivéssemos diante de mero assunto administrativo. Trata-se da vida e da saúde de milhares de Auditores-Fiscais e de seus familiares. O mínimo que se espera é uma explicação, uma justificativa plausível para tal iniciativa.
A Portaria RFB nº 547, de 20 de março de 2020, estabeleceu o trabalho remoto em grande parte das atividades da Receita Federal. Naquela data, o número de casos novos de Covid-19 por dia era de 283 em todo o país. Na última sexta-feira (28), o número de casos novos foi de 43.412. De 5 mortes por dia na época (20/3), o país hoje está no patamar de quase mil mortes diárias. Apesar de teoricamente o Brasil já ter passado pelo pico de mortes, é notório que hoje o risco de contaminação e de morte é muitas vezes maior do que no início da pandemia, quando foi publicada a mencionada Portaria.
Os integrantes da Receita Federal, órgão essencial ao funcionamento do Estado, jamais negligenciaram tal condição. Na área aduaneira, os Auditores-Fiscais esmeraram-se em agilizar as importações de medicamentos, exames, insumos e materiais hospitalares relacionados ao tratamento do Covid-19, sendo inclusive o Brasil citado pelo Banco Mundial como exemplo de boa prática aduaneira no comércio internacional para o combate ao coronavírus. Por ocasião das filas para obtenção do auxílio emergencial de 600 reais, centenas de Auditores-Fiscais se voluntariaram e passaram finais de semana analisando as pendências de CPF de milhões de brasileiros, movidos pelo espírito público, mesmo sabendo que as obrigações quanto ao atendimento eram da alçada de outros cargos.
A essencialidade da Administração Tributária não está na presença física na unidade de trabalho. Isso qualquer repartição pública pode oferecer. A essencialidade está no exercício pleno e efetivo de suas autoridades tributárias e aduaneiras no cumprimento da missão institucional da Receita Federal, em favor do Estado e da sociedade.
A condição de órgão essencial deve ser utilizada pelo secretário da Receita junto ao ministro para a obtenção de um orçamento adequado às atividades do órgão, para a aprovação de um concurso público que possa atenuar o déficit de Auditores-Fiscais e para a solução do impasse remuneratório que perdura há mais de três anos, e não como argumento para justificar o retorno à atividade presencial.
No momento, em razão da pandemia, é evidente que todo trabalho que puder ser realizado de forma remota, por segurança, deve ser mantido nessa condição. As condições de risco existentes na data da Portaria RFB nº 547 continuam não apenas presentes como substancialmente agravadas. O retorno açodado ao ambiente de trabalho implica riscos desnecessários para os Auditores-Fiscais que podem continuar a trabalhar remotamente.
Uma vez que o órgão central delegou aos superintendentes regionais a responsabilidade de estabelecer o cronograma e os critérios de retorno à atividade presencial, a Direção Nacional convoca todas as Delegacias Sindicais do país, em especial as situadas nas capitais-sede das 10 SRRFs, a pressionarem os respectivos superintendentes. Simultaneamente, a Direção Nacional empreenderá os esforços necessários junto ao gabinete do secretário especial para a reversão da medida, ao passo que o Departamento Jurídico da entidade já está se debruçando sobre a viabilidade de uma ação judicial visando resguardar a integridade física dos Auditores-Fiscais.
Fonte: Jornalismo DEN
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